Com o recuo drástico das águas no interior da Espanha, ruínas de um vilarejo medieval voltam à superfície após mais de 50 anos submersas. O que parecia perdido para sempre agora se transforma em palco de descobertas, memórias e mistérios.
Galicia, Espanha –
O que antes era um espelho d’água calmo e profundo agora revela fragmentos de uma história que se acreditava enterrada para sempre. O vilarejo de Aceredo, inundado em 1992 para a construção de uma barragem, ressurgiu quase intacto após uma das piores secas já registradas na Península Ibérica. Casas de pedra, ruas de terra e até utensílios domésticos reapareceram como se o tempo tivesse congelado no exato instante em que a água os engoliu.
Enquanto os moradores da região observam em silêncio, centenas de turistas e curiosos chegam todos os dias para ver de perto o cenário que mais parece ter saído de um filme pós-apocalíptico. Entre as estruturas que resistiram ao tempo estão uma padaria com parte do forno ainda visível, uma escola primária e a antiga casa paroquial, cujas paredes ainda carregam pichações da década de 80.
Mas o que mais impressiona são os depoimentos dos antigos habitantes, muitos deles forçados a deixar suas casas décadas atrás. “Quando vi minha antiga casa ali, quase intacta, não consegui conter as lágrimas”, conta Dolores Fernández, hoje com 83 anos, que vive a poucos quilômetros do local. “Enterraram nossa história debaixo d’água. Agora ela fala de novo.”
Memórias ressurgem com os escombros
Arqueólogos e historiadores foram imediatamente acionados para documentar o reaparecimento do vilarejo. Segundo o professor Javier Román, da Universidade de Santiago de Compostela, trata-se de uma “cápsula do tempo involuntária”, um exemplo raro de conservação estrutural em ambientes submersos. “As algas e o lodo formaram uma camada protetora que, de forma irônica, ajudou a preservar o que restava.”
O reaparecimento, porém, traz à tona não apenas lembranças, mas também questionamentos. Uma cruz de madeira, fincada ao lado do que parece ter sido um antigo poço, chamou atenção por estar gravada com símbolos desconhecidos. Teóricos locais começaram a especular sobre possíveis rituais esquecidos ou até mesmo uma igreja que teria sido soterrada ainda no século XVIII, muito antes da inundação.
O futuro de um passado exposto
O governo da Galícia debate agora se deve preservar o local como um sítio histórico acessível ao público ou se permitirá que as águas, em caso de recuperação do nível da represa, voltem a cobrir tudo. Ambientalistas alertam para o impacto da presença turística sobre o frágil equilíbrio das estruturas expostas, enquanto ex-moradores pedem que o lugar seja eternizado como um monumento à resistência da memória.
Para muitos, Aceredo é mais que um vilarejo resgatado: é um lembrete de que a história nunca se apaga completamente — ela apenas adormece, à espera da próxima grande seca.